O poder catalisador dos ambientes em O papel de parede amarelo



Tido como um dos clássicos da literatura feminista, publicado em 1892, O papel de parede amarelo (José Olympio, 2016) é um conto repleto de virtudes que fazem dele uma leitura obrigatória e necessária. Sua narrativa é de uma forte carga psicológica, em que a mulher (não identificada) relata um ambiente opressivo em que sua condição de gênero torna-a praticamente uma figura inexistente. É nesse contexto que a narrativa, justamente comparada à narrativa de Edgar Allan Poe, nos apresenta um terror gélido que penetra pelos poros da pele, e que, também, nos mostra o poder catalisador de determinados ambientes.

Na obra, a mulher com sua família acaba passando uma temporada num casa alugada, e isso parece mudar tudo, não no sentido de acontecer coisas que antes não aconteciam, mas sim na capacidade dela mesma ver o que antes talvez não visse e sempre estivesse ali: sua condição de mulher, oprimida e relegada a mero enfeite social. Contudo, é na casa nova e através do papel de parede amarelo que a mulher começa a observar tudo de uma forma diferente. É por certo que a indiferença e o menosprezo por sua identidade feminina já existisse antes, entretanto, o papel de parede amarelo parece catalisar seu sentimento opressor levando-a ao limiar da loucura.

Tudo isso, talvez porque a mulher que narra o conto ao sair de seu ambiente já estabelecido, é capa de observar as idiossincrasias de suas relações sociais e amorosas. No conto, a troca de ambiente é mais do que a mudança de um endereço, mas também o esgaçar de portas que a levam para um caminho doloroso, pois sim, observar as coisas do mundo como elas o são não deixa de ser algo traumático. É por isso que a mulher perde-se nos detalhes do papel de parede, em suas linhas dançantes que apresentam-na a um novo mundo e escancaram sua condição de mulher.

Da mesma forma, esse novo ambiente acaba lhe dando forças para romper de certa maneira com o estado estabelecido. Ao refletir em sua jornada psicológica quanto ao seu papel como mulher, mesmo optando pelas raias de uma loucura rebelde, o estar num ambiente que ao mesmo tempo lhe atemoriza, também lhe dá segurança para a seu modo rebelar-se contra as injustiças sofridas. É portanto, este pequeno conto um primor de leitura unindo temática relevante e narrativa exuberante, que nos deixa muito mais a pensar, do que nos entrega coisas prontas, cabendo ao leitor preencher lacunas e não-ditos.