Uma terra selvagem e atual na ficção de Isabel Moustakas



    Infelizmente a grande parte da imprensa especializada tem se dedicado aos mistérios da identidade da autora Isabel Moustakas do que quer dizer sua recente obra publicada pela Companhia das Letras, Esta Terra Selvagem. Todavia, em parte há culpa da autora no fato, visto que uma revelação oficial cessaria o que não importa e quem sabe jornalistas e críticos buscassem observar o que a autora procura narrar em sua obra, nesse caso, um cenário de vil violência. A violência sempre esteve presente, mas os tempos que vivemos me parecem bastante carregados. Acho que o nosso cotidiano já é essencialmente distópico. Por uma série de razões, tais como a cidade em que vivo e as leituras que faço, o meu olhar é direcionado para alguns dos aspectos mais brutais da existência ela relatou em uma entrevista para meu outro blog, o Listas Literárias, e é exatamente isto que o leitor da obra encontrará em sua obra.
    Sua novela surge então como um retrato assustador da violência gratuita e ignóbil que tomou conta das ruas de sua metrópole. Um cenário de violência contra mulheres, gays e negros, e qualquer semelhança com a vida real é na verdade um grande alerta, que em seu livro é narrado de uma forma brusca, com linguagem direta, sem nada de floreios. Há economia da reflexão, é a ação que desvela o estado de ignorância que deixa o leitor tão estupefato quanto seu protagonista reticente, o repórter João, que de repente percebe que a violência que assola São Paulo não é nada aleatória.
Na obra percebemos uma visão de uma sociedade recheada de seus problemas e que a discussão mais importante abordadas estão justamente nas sutilezas de sua narrativa como quando a autora torna todos cumplicies da barbárie como vemos neste trecho: O Jornal concorrente fez uma pesquisa e constatou que dezessete por cento dos paulistanos  "não concordavam com os métodos", mas "compreendiam as razões" dos agressores numa clara exemplificação do crescimento da intolerância e de como isso vai se fortificando dentro das massas. No fundo o que parece dizer a autora é que a violência ocorre em duas frentes, na ação propriamente dita, que no caso de seu livro é perpetrada por grupos neo-nazistas organizados e violentos, e outra se dá no apoio de parte dessa massa social que compreende (e aqui traçando paralelos com a violência e cultura sofrida pelas mulheres) e pior ainda, em muitos momentos tenta justificar ou fazer defesa desses atos bárbaros e pouco civilizatórios. Então, com uma discussão proposta dessa forma é realmente uma pena que todos olhem apenas para o mistério da identidade autoral, passando por cima desta obra que infelizmente pinta-se como triste representação do atual momento do país.
   Contudo, da mesma forma não poderíamos dizer que a obra não possui suas próprias contradições, o que convenhamos, é inerente da coisa literária. Se por um lado, nesse cenário de violência e confusão social as personagens buscam evidenciar algo muito presente na narrativa de crime brasileira, que é a ineficiência policial como quando apontam E a polícia não tem dado conta, ao que parece ou E a polícia, você mesmo disse parece perdida; Porém, será essa mesma polícia criticada ao longo da breve narrativa que desempenhará papel fundamental diante da queda do herói. Aliás, este foi um outro tema que abordei com a autora e interessantemente nos reforça como obra e autor podem distanciarem-se como é possível ver no que disse-me ela é verdade, a polícia tem um papel crucial, mas, como você pode ver pela minha resposta anterior, não morro de amores por ela. Muito pelo contrário. A polícia é talvez o sintoma mais evidente da distopia brasileira. Ineficaz, corrupta e aterrorizante, ela é um tremendo agente da barbárie.
   Enfim, sem alongar muito o presente texto, o que nos compete então dizer é que Esta Terra Selvagem é uma leitura a ser feita com cautela. Não podemos nos entregar diretamente ao seu estilo de linguagem veloz de tal modo que deixemos de pegar suas nuances e seus detalhes que devem ser assimilados e compreendidos com bastante atenção. Assim, se por um lado temos uma ação frenética, linear densa e tensa, é sobretudo importante atentarmo-nos para o cenário. É ele que nos envolve e nos assusta, justamente por ser tão próximo e real. Por fim, temos aqui uma obra que mesmo dividindo críticos, deve sim ser analisada pelos valores que possui, e especialmente pelo fato se ser um retrato sombrio e temeroso de nossos tempos.