CONTO: Em nome de Jesus do cu que coça e o não exorcismo do capeta.



Escrevi o conto abaixo há algumas semanas pensando em junto com outros, inscrevê-los em concursos, mas não rolou e acabei desistindo. Contudo, acho que nesta semana degenerada e com mais a mais absurdos vindo à tona seria propício sua publicação aqui. Quem gostar, curta, compartilha e comenta.

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Quisera o destino, ou algum castigo das forças superiores que escapam a nossa compreensão, que o Pastor Wanderney Lindoso Sarmento Neuras toda vez que gritava com sua voz grossa e estridente “EM NOME DE JESUS” as pregas do cu lhe coçavam ardentemente. Tinha dias que a coceira era tanta, que disfarçadamente ele tinha de levar as mãos aos fundilhos e dar aquela anestesiante enterrada de mão entre as nádegas. Mas o curioso é que nem sempre sentira aquela coceira no “butão”.
            Talvez seja porque nem sempre Wanderney tenha sido pastor. Ou quem sabe, porque também não tinha o hábito de dizer “em nome de Jesus”. Na verdade o pastor sequer conseguia lembrar-se de quando efetivamente começara o problema, em que data, dia, mês ou ano aquela sensação de percevejos desfilando por sua bunda iniciara. O fato é que a coisa vinha aumentando; cada vez mais forte.
            Uma coisa pelo menos o pastor tinha certeza, no começo não era assim. Tinha pra uns onze ou doze anos que como ele repetia, não sem algum receio na voz, “encontrara Jesus”.  Naquela época jamais chegara a sonhar que um dia se tornaria tão famoso. Também nunca sonhara com o carro importado que aos finais de semana usava para ir à praia, tampouco a cobertura no centro da cidade, que era sua, mas que nos papéis tinha como dona sua avozinha de noventa e três anos e que nem desconfiava disso lá em seu barraco de pau a pique no Nordeste. Nem mesmo nos sonhos mais bonitos cogitara um dia ser rico. Mas as coisas foram acontecendo... Acontecendo...
            Na verdade era totalmente justificado que o jovem Wanderney não ousasse desejar tais coisas. Naquele tempo, com quase trinta, perambulava pela comunidade, estropiado, sem dinheiro e geralmente bêbado ou chapado – pra ser sincero, na maioria das vezes, as duas coisas juntas – vivendo de pequenos bicos, ou dos empréstimos feitos junto à mãe, que vivia fazendo doces e salgados para fora. Era o caçula dentre sete ou oito irmãos, Dona Edileuza nunca sabia precisar. Por estas coisas de ser “o último fruto” a velha senhora segundo seus outros filhos mimara demais o “Pequeno Wande” e dera no que dera. Dentre os irmãos que não foram dados, ele foi o único a estudar por mais tempo, e a isso se creditava sua desenvoltura com as palavras. Assim, o “Pequeno Wande” sempre procurava resolver as coisas numa boa conversa e também levar todo mundo na conversa. Inclusive os traficantes do morro a quem devia pequenas quantias de dinheiro.
            Foi mais ou menos nessa época que esteve bem perto de conhecer antes o capeta, que seu irmão mais elevado.
            Acontece que o “Pequeno Wande” devia há algum tempo para uma figura desconhecida do grande público. Não era uma grande quantia, mas ele vinha levando no bico por meses os enviados do Ursão Sete Balas. Ursão controlava o tráfico na região e o apelido vinha de sua estrutura fornida e bem distribuída em cento e oitenta quilos bastante peludos; e ao número de balas que tinha dentro do corpo sem operá-las.  Certamente se os negócios de Ursão não envolvessem produtos com dificuldade para formalização de sua empresa, ele estamparia sua cara rechonchuda em muitas revistas como o empreendedor do ano de muitos anos. Foi justamente a sua principal e mais brilhante ideia de empreendimento que levou-o de ao invés fazer de “Pequeno Wande” um exemplo assado e temperado com formigas, a convidá-lo a conhecer Jesus, o mesmo que quando agora o pastor grita o nome, sente coçar o cu.
            Se Ursão fosse tema de uma destas revistas de gente rica, certamente seria adjetivado como “um visionário”. Naqueles tempos os negócios cresciam... cresciam... E logo ele descobriria que quase tão complicado quanto não ter nenhum dinheiro é ter muito e não ter onde guardar. Já tinha falado com uns parceiros aqui e ali, entretanto, não estava à vontade com a ideia de ter que pagar imposto para esquentar o dinheiro ganho com seu suor. Observava que todo mundo que conhecia no ramo estava montando posto de gasolina, revenda, restaurantes, etc. Tudo isso gerava imposto, e imposto, certamente era algo que não fazia Ursão sorrir. Hoje se perguntarem pra ele como a coisa toda nasceu, quase certo que desconversa, mas sua cisma com impostos foi um dos motivos. Além disso, ninguém tem dúvidas que também não errou ao “apostar” em seu “relações públicas”, seu “linha de frente”. Sim, o “Pequeno Wande”.
            Claro que o Ursão não perdeu a oportunidade de dar um grande susto em seu devedor contumaz. Sequestrou-o até o topo do morro onde por dias o “Pequeno Wande” ficou a pão e água, e sob intensas ameaças. Quando o prisioneiro estava literalmente cagado, Ursão deu-lhe duas opções. A primeira era a fogueira com formigas. A segunda, uma proposta de negócio.
            Dias depois, numa peça simples ao pé do morro, era inaugurada a primeira Igreja Maravilhosa da Benção Epistolar Cristã do Imenso Louvor. O “Pequeno Wande” já em seu hoje costumeiro terno de corte fino, sapatos reluzentes e relógio de grã-fino à porta. Nascia o Pastor Wanderney, que depois de uma pequena revisão na Bíblia da mãe começara a pregar a palavra do senhor. Lógico que o povo é desconfiado, a fama de “Pequeno Wande” ainda surtia seus efeitos, por isso nos primeiros meses o salão humilde ficava vazio, às moscas, com dois ou três desavisados ouvindo a estridente pregação do Pastor Wanderney. Lá ainda, na igrejinha ao pé do morro, ele tinha quase certeza de que o cu não coçava.
            O destino da Igreja, contudo, começou a mudar lá pelo terceiro mês de atividade quando o pastor começou a desfilar com seu carro novo. “Pela glória do Senhor, Jesus me presenteou” dizia ele aqui e ali. Logo só se falava do milagre. “O menino andava perdido, e agora, olha só como tá crescendo” diziam as gentes, com uma ou outra variação da oração. Nas semanas seguintes o público foi crescendo, tanto de gente da comunidade, como trabalhadores do Ursão que agora tinham de realizar suas preces sob a égide do monopólio.
            A Igreja cresceu; do pé do morro foi para o bairro; do bairro para o centro, mas nunca abandonado “cada obra”. Ampliando... Sempre ampliando... Dos templos para televisão foi apenas consequência do caráter visionário de seu criador. Se antes a ideia era uma lavanderia, logo se percebeu que seria também uma lucrativa diversificação de negócios, e este ia tão bem quanto o negócio que lhe originara.
            A chegada da Igreja à televisão, aliás, reforçou ainda mais a escolha acertada por “Pequeno Wande”. O rapaz tinha lábia. Era tremendamente teatral, e os traços que imprimia no rosto cada vez que gritava “EM NOME DE JESUS” era como se fosse uma impressão digital. Única. Nessa época Pastor Wanderney já estava rico. E já coçava o cu.
            Também tinha voltado a abusar das bebidas e das drogas. Na verdade qualquer pessoa menos fanatizada era capaz de perceber que quando subia nos ostentoso palco “o pastor nunca estava sozinho”. E só os mais tolos acreditavam que quem lhe acompanhava eram o tal Jesus ou seu pai. Seu mentor e amigo, Ursão, aliás, vinha demonstrando preocupação com suas atitudes. “Foda véi. Não vá melar tudo, caralho. Você é um babaca, mas ainda me custa caro trocar seu filho da puta” dissera-lhe num dia após o culto. “é a coceira chefe, é a maldita coceira no cu que me faz fazer isso, chefe” choramingava.
            Mas a bebedeira e os chapaços não faziam de Wanderney um burro ou bocó. Ele percebera que Ursão vinham mexendo na estrutura da organização de modo que logo talvez lhe desse um passa-fora. “Bandido filha da puta” pensava enquanto encenava um exorcismo que era transmitido ao vivo no peculiar horário da uma da manhã. “EM NOME DE JESUS, SAI CAPETA DESSE CORPO QUE NÃO TE PERTENCE” berrou e, com um cutucão na nuca, a mulher compreendeu a deixa e jogou-se no chão simulando espasmos e cuspindo pela boca toda a espuma de Sonrisal que engolira a seco. Ao fim do grande teatro de quase todas as noites o pastor retirou-se do palco sob o apupo dos aplausos dos fieis.
            Desceu pelas escadas suando em bicas. Exausto. Exausto em todos os sentidos. Não estava mais aguentando tanto trabalho, tanta loucura. “Fique à vontade se quiser conversar com Jesus pessoalmente mais cedo” respondera-lhe Ursão quando certa vez ventilara um retiro. Maldita coceira. Naquela noite parecia pior do que antes.
            “Louvado seja, pastor”. Interpelou-o um dos apóstolos. Encarregado da contabilidade do dia. “Por telefone rendeu trezentos contos, mas cem em transferência bancária. Tem um cara que deixou aqui um golzinho com as chaves, outro uma moto, e temos trinta e seis cartões com senha para debitar o dízimo amanhã. Em transferência, deu quase cem conto”.
            “Louvado é o Senhor Jesus, apóstolo. Dá a porra do gol pra quem achar que mereça, o resto faz como sempre, põe noventa no oficial da Obra e o restante passa para as despesas operacionais do chefe”.
            “Sim senhor”.
            Tudo que o pastor queria àquela hora da madrugada era retirar-se para seus aposentos, cheirar ou fumar um pouco e se preparar para a mesma coisa no dia seguinte. No entanto, uma invasão intempestiva de uma mãe desesperada acenou-se que o martírio daquela noite não teria fim. “Pastor! Pastor!” gritava a mulher. “Salva minha filhinha. Salva minha filhinha, ela tá com o capeta no corpo.”
            “Que porra é essa ele pensou”, mas sem fugir da missão ordenou que levassem a moça, de uns dezessete anos, no máximo a uma sala nos fundos do templo e que geralmente era usada para este tipo de coisa. Pediu que os apóstolos, sob os olhares da impaciente e desesperada mão desnudassem a menina que naquele instante gritava e se debatia loucamente.
            “Pobre da minha bichinha” chorava a mãe.
            Quando o pastor entrou na sala, vestindo uma fina túnica que permitia-se verem seus densos pelos pubianos sob o pano, com os olhos vidrados apenas disse “em nome de Jesus, hoje o capeta abandono o corpo desta inocente” contraindo a bunda cuja veio entre as nádegas engoliu parte do tecido.
            Ele então enfiou a mãozarrona por entre as pernas da garota que num puro reflexo gritou como se fosse um destes uivos de lobisomem. O pastor nada reagiu, continuou afundando a mão até que de repente metade de seu braço estava dentro dela.
            “EM NOME DE JESUS, SAI CAPETA” gritou sacando seu membro de dentro da jovenzinha.
            Ao trazer a mão de volta, fechada e firme com o que trazia, tirou lá de dentro as primeiras entranhas. Ovários, intestinos, e o fígado.
            A moça berrava.
            Na segunda tentativa a mão entrou e quando voltou trazia o pulmão e o coração da garota. A mãe assistia atônita, mas cheias de esperança na cura.
            Na terceira mãozada vieram a língua e os olhos. A moça pareceu-lhe um tanto murcha. Mas ainda, nada.

            Na quarta tentativa enfiou todo braço e parte do ombro para ver se achava alguma coisa. Quando voltou tinha entre os dedos melados e pegajosos apenas os miolos da mocinha chorona. Depositou-os – os miolos – sobre as outras entranhas que repousavam no cimento frio.  Com semblante frio e sem qualquer emoção o pastor Wanderney simplesmente olhou para a pobre mãe e disse-lhe “é, Dona, essa daí tem jeito não. Têm uns diabinho safado que se esconde em lugarzinho difícil de achar”, e deu as costas para todo mundo. Elas que se virassem para botar as coisas de volta pra dentro, tinha coisas mais importantes lhe esperando no quarto.

Ps.: O texto ainda encontra-se em processo de revisões.