Breve Conto dos Dias Atuais I (Jardim de Infância)



Quando Cléber Nascimento chegou ao local de trabalho sentiu verdadeiro asco. Uma fila gigantesca de maltrapilhos e famintos homens tomava conta de pelo menos quatro quarteirões. E isso que os atendimentos começariam apenas à tarde. Se não estivesse protegido dentro de seu carro cuspiria no chão, pois nada irritava-lhe mais que fracassados pedintes de empregos braçais. No íntimo sonhava com o dia que gerenciaria apenas operários-robôs, desprovidos daquela linguagem horrível dos pobres, sem aquele fedor de sabonete barato.

Mas sabia que este futuro talvez estivesse um pouco longe do Brasil. Tinha muito a ser feito, e pelo menos agora eram governados por alguém que entendia dos problemas das famílias que realmente importavam para a nação. "As próximas gerações terá só a nata..." elaborava os pensamentos enquanto subia da garagem do edifício até sua sala. Estava preparando-se para o dia horrível de trabalho que teria pela frente... Aguentaria bafo de cachaça, lamentos de desdentados, mas ao menos aquilo ser-lhe-ia provisório, já que depois de contratada a jagunçada poderia manter distância saudável.

Entretanto, não sabia que poucos segundos depois de pensar tais coisas, aboletar-se atrás de seu computador, na quarta e insistente ligação da escola do pequeno Guto, perderia aquele dia todo de trabalho.

Augusto Nascimento estava com seus quatro anos e pouquinhos. Uma joinha rara do jardim de infância segundo as professoras. Autêntico, sagaz e com identidade bem estabelecida. Quando "as tias" diziam-lhe isso, Cléber sentia certo orgulho pela vagabunda da mãe do garoto ter-lhe contrariado e não abortar o muleque. "Vai dar dos bons, macho qual o pai" gloriava-se Cléber entre amigos. Mas nem por isso a escola tinha autorização para ligar-lhe, estavam avisadas que tratassem tudo com a mãe, afinal, era o único lugar que permitia que a puta fosse sozinha.

Contudo, a insistência incomodou-o e ele teria de dize umas verdades a quem quer que fosse que o estivesse atrapalhando no trabalho.

Não teve tempo, porém, de gastar suas palavras de insultos. A diretora começou lamentando-se pelo ocorrido e nos dez minutos seguintes da ligação relatou-lhe o que pode da situação, claro com todo o embaraço provocado por problema.

Gutinho morrera, contara a professora. A direção não havia diagnosticado o surgimento do conflito entre dois grupos na turma. Segundo ela a discussão começara quando um dos garotos que defendia a purificação pelo extermínio massivo dos pouco-importam não gostara do argumento humanista de Gutinho de que se os matassem pela lentidão da fome, mas que de alguma forma eles pagariam ao Estado suas existências lastimáveis. A diretora falou-lhe que fora o outro a sacar um revólver pequeno, acertando dois tiros no Gutinho. "Mas pai, você tinha que ver o seu garoto, que fibra, dois buracos no peito e ainda reuniu forças para empunhar a pistola e matar seu algoz. Um herói o seu garoto" disse ela buscando minimizar a perda.

No tiroteio que sucedeu-se a discussão morreram ainda outros três meninos e uma garotinha que berrava sem parar. Essa fora a própria professora que despachara, já que a menina claramente não estava apta para viver em sociedade.